segunda-feira, 21 de abril de 2014

A MAGIA DOS GRUPOS DE MÚTUA AJUDA

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Muito tem sido divulgado, observado, analisado e escrito sobre os grupos de mútua ajuda, um fenômeno que cresce no Brasil e no mundo. Estes tratam de inúmeros tipos de questões e doenças que provocam o sofrimento humano, atraindo para si pessoas de todas as idades, classes sociais, raças, credos e visões ideológicas. E, o que é mais importante, funcionam, pois ajudam efetivamente na recuperação e reintegração destas pessoas na sociedade.

Sem dúvida, o aspecto “tratamento” é fundamental nestes grupos, mas pode-se notar, além disto, um segundo trabalho que pode escapar facilmente aos olhos, que é a construção da felicidade. De acordo com a visão atual da Psicologia Positiva, deixar de sentir-se mal não é o mesmo que sentir-se bem. Na busca da felicidade, é preciso bem mais do que resolver problemas e doenças. É preciso desenvolver hábitos, emoções e forças positivas que elevem o indivíduo a um patamar de florescimento, usando os seus melhores e mais profundos recursos.

Alguns destes hábitos e forças positivas, que também podemos chamar de virtudes, são mais facilmente desenvolvíveis nos grupos de mútua ajuda do que no dia-a-dia, num consultório de psicoterapia, nos treinamentos empresariais ou no convívio social e familiar. Por que? Por causa da forma das reuniões e das regras de convivência adotadas pelo grupo, na forma de princípios ou passos e tradições. A maior parte destes grupos segue os 12 passos e 12 tradições, inspirados no primeiro e dos maiores grupos atuais de mútua ajuda, os Alcoólicos Anônimos.

Sem pretender esgotar as possibilidades de virtudes desenvolvidas com a freqüência a um destes grupos, vou destacar aqui algumas:

Protagonismo – ou seja, a clareza de que cada pessoa é responsável por si, é livre para escolher e tem poder para mudar o seu rumo para melhor. A participação de um grupo assim é individual e indica que a pessoa assume a responsabilidade pela sua condição problemática, e que está disposta a trabalhar, a fazer algo diferente para mudar a sua vida. O fato de não haver profissionais e conselhos de qualquer tipo, faz com que não seja possível responsabilizar o outro pela sua evolução, isto é, nas recaídas ou na melhora.

Coragem – É preciso muita coragem para escolher responsabilizar-se e é preciso desenvolver ainda mais desta virtude para aceitar de se olhar no espelho a cada dia, e enxergar sua condição atual. Isto significa não negar como aquele que vivendo um distúrbio, não o reconhece ou aquele que cultiva ilusões de que os outros é que são os responsáveis, ou pior, os culpados pelo seu sofrimento. Além disto, há outro comportamento-chave nos grupos que exige coragem crescente: se expor, falar de fatos, pensamentos, vontades, ações que muitos nunca contaram pra ninguém antes, que os envergonham ou que causaram prejuízos a si próprios ou para terceiros. Pelo estímulo da busca da sanidade, as pessoas buscam esta força dentro de si e a encontram.

Humildade – Quando alguém entra num grupo, busca ajuda de pessoas que, geralmente, nem conhece. Lembrando que somos rodeados por crenças que estimulam o “orgulho” do ego, onde se acha que o que dignifica alguém é a independência, precisar dos outros inferioriza, mostra fraqueza e é visto como humilhante. Já ouvi muitos dizerem, batendo no peito: “eu sou capaz de resolver meus problemas sozinho”. Talvez estes ainda não compreenderam que vivemos na era da interdependência, que é um estágio de maturidade além da independência, quando tomamos consciência de que todos se precisam e todos podem se ajudar, que isto pode facilitar muito a vida e reforça a união e os vínculos. Você faz o pão que come? Ou faz a roupa que usa? Ou seja, você conhece alguém que dê conta da sua vida sozinho? Se você sabe resolver um problema pessoal, fantástico. Se não sabe, o que é mais inteligente, continuar sofrendo ou ‘patinando’ com o problema ou procurar ajuda o mais rápido possível e sair dele? Buscar ajuda, quando já se esgotou os recursos próprios, é transcender o ego e descobrir a humildade.

Capacidade de Auto-observação e Tomada de Consciência – Condição básica de qualquer mudança verdadeira. No grupo, o estudo do distúrbio básico que levou a pessoa a estar ali e o processo constante de observar e escutar o outro em silêncio, leva à reflexão e gera aprendizados. O espelhamento estimula o indivíduo a prestar atenção ao seu próprio comportamento e, ao comparar com os sintomas da doença e aos comportamentos saudáveis que se pretende obter, ele percebe onde está, na evolução da doença.

Honestidade – Ir a um grupo de mútua ajuda para mentir é tão inútil que esta idéia beira o absurdo. As pessoas do grupo não são obrigadas a falar, podem ficar em silêncio. E quando falam, dizem o que querem, desde que de si mesmas. Além disto, observar pessoas expondo sua intimidade por mais que doa e tão comprometidas com a sua verdade para buscar a sanidade, é altamente inspirador para aceitar este convite de ser honesto também. Portanto, vemos que estes grupos promovem a mudança de caráter, estimulando comportamentos éticos.

Não julgamento e Aceitação – O ato de escutar cada depoimento pessoal, tão diferentes entre si e, muitas vezes, tão próximos na essência, oferece grande potencial de desenvolvimento. As regras de que quem escuta não emita opinião, nem críticas ou conselhos, dedicando apenas a atenção e seu silêncio respeitoso, desenvolve a capacidade de aceitar o outro como é, como está, na recaída ou na melhora, nas suas diferenças, semelhanças, ou idiossincrasias, e faz com que, aos poucos, o julgamento perca totalmente o sentido. Desta forma, cada um também se sente aceito na sua individualidade pelo grupo e aprende a se aceitar.

Compaixão – O processo da escuta silenciosa e atenciosa abre espaço para pessoas se colocarem amorosamente no lugar das outras, através da empatia. Assim, descobrem que muita gente sofre, que alguns têm desafios enormes para superar, que a dor do outro pode ser maior. Isto abre espaço para o acolhimento do outro no silêncio de um abraço, ao final da reunião; dissolve antipatias e desconfortos; amplia a capacidade de compreensão e também predispõe os veteranos para o apadrinhamento ou amadrinhamento, que é o ato de ajudar quem está no início ou num momento crítico, nos intervalos entre as reuniões.

Senso de igualitarismo – É impressionante como os preconceitos e as diferenças econômicas e sócio/culturais se dissolvem com a freqüência constante aos grupos. O olhar focado principalmente na humanidade das pessoas, nas suas forças e fraquezas, vontades e frustrações, vitórias e perdas, alegrias e tristezas, sonhos e medos, contribui para que pessoas se encarem realmente como irmãos. Não é à toa que estes grupos se denominam Irmandades.

Acredito que algumas destas forças sejam incomuns até entre os que se consideram “normais” e elas representam um alicerce forte para pessoas enfrentarem os desafios da vida. Então, talvez represente sorte pessoas terem um distúrbio que as faça buscar um grupo de mútua ajuda, pois ganharão muito mais do que a sanidade, aumentarão suas chances de se fazerem felizes e mais realizadas na vida.

Sem pretender esgotar o tema e apenas exemplificando, os grupos AA e NA oferecem suporte à recuperação de dependentes químicos. O grupo CCA oferece um programa para comedores compulsivos anônimos. O grupo JA trata da recuperação dos jogadores anônimos. Neuróticos Anônimos ajudam pessoas a trabalhar emoções que as perturbam. O grupo Nicotina Anônimos ajuda fumantes de cigarro a pararem este uso. Os grupos CoDA, MADA, DASA, Amor-Exigente, AL-NON e NAR-NON estão presentes há vários anos no Brasil e utilizam de um programa de auto e mútua ajuda que desenvolve preceitos para a organização e recuperação dos familiares de seus respectivos dependentes e do crescimento espiritual dos envolvidos. Todos estes grupos e outros são verdadeiros centros amorosos e gratuitos de tratamento e recuperação. 





Autora: Dra. Elizabeth Zamerul Ally, médica psiquiatra, psicoterapeuta especialista em Dependência Química e Codependência www.dependenciaecodependencia.com.br

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